Complexo de Buzz

09/09/2019

Que Toy Story é um marco da animação no cinema, isso é inegável. Entretanto, mesmo eu sendo um grande amante do gênero, por muito tempo não me encantei com as aventuras dos brinquedos. Recentemente me vi obrigado a assistir a trilogia para me atualizar e me sentir preparado para conhecer a mais recente obra. Nesse intento, maratonei os filmes e acabei pedindo perdão a mim mesmo por não ter apreciado aquela história encantadora antes. Nesse artigo, quero focar na trama do patrulheiro estelar Buzz Lightyear, especialmente em seu primeiro filme, em que apresenta uma jornada muito interessante de autopercepção.​

    Quando o quarto do Andy inteiro está em máxima atenção e curiosidade para conhecer o brinquedo novo, Buzz não faz ideia do que realmente está acontecendo. Em sua mente, ele aterrissara em um planeta desconhecido que está repleto de seres nativos que ele não sabe se são pacifistas ou não. Pode parecer loucura, mas na cabeça do astronauta, ele é um corajoso e eficiente patrulheiro espacial e situações assim são perfeitamente plausíveis. Não tem como julgá-lo, autoengano é também algo que faz parte da gente. Nossa autoimagem é constituída por diversas influências e interfere em nosso modo de viver, comunicar e interpretar a realidade ao nosso redor. Tendo em vista o poder que nossa percepção de nós mesmos tem em nossa vida, não preciso dizer que um autoengano a respeito de quem somos é uma condição gravíssima. Buzz possui uma autoimagem idealizada em que ele foca completamente no que devia ser e esconde até de si mesmo o que é.​

    É óbvio que ele não voa, que seu laser não machuca ninguém, que a atmosfera não é tóxica e que seu rádio comunicador não existe, mas nada disso faz diferença, ele é sim um herói interplanetário. Provas lógicas nem sempre são suficientes para desfazer nossas convicções mais intrínsecas a respeito de quem somos.​

    A autoimagem idealizada é um mecanismo de defesa de nosso cérebro para evitar conflitos que podem de alguma maneira, ser bastante dolorosos. Desse modo, criar convicções que distorcem a realidade que não queremos assumir ou confrontar é muito mais cômodo, satisfatório e simples. Entretanto, não assumir nossas limitações pode exigir um preço muito maior que arcar com elas. Não importa quanto o Buzz acreditasse ser um astronauta, ele jamais consertaria sua nave para ir embora. Um dia nos cobramos além de nosso limite, um dia, voar até a janela resultará na queda nas escadas. Esse momento de nos depararmos duramente com a realidade vem acompanhado de toda a somatização do autoengano, o que faz a frustração ser muito mais impactante, causando uma forte crise existencial.

   ​A crise existencial é uma problemática humana, faz parte da capacidade de raciocínio, por tanto, ela é importante para nosso discernimento. O Buzz entrou em um estado de catatonia. Se ele não é um astronauta patrulheiro intergaláctico, quem ele é? Apenas um brinquedo? Nunca teve toda a bravura, perspicácia, agilidade e história que pensava que tinha? Seus valores desmoronaram, seu orgulho foi invalidado, suas limitações reconhecidas, ele não é quem enxergava, ele não se reconhece mais. Naquele momento tudo sofre uma pausa para uma introspecção dolorida e profunda, nada mais importa, nem mesmo se perder um braço. É claro que ninguém tem tanta facilidade em perder um braço, mas a condição do Buzz não é surreal, problemas como transtornos de ansiedade e depressão muitas das vezes estão relacionados com crises existenciais e problemas de autoimagem. Esse paralelo fica mais evidente quando identificamos a falta de resposta ao Woody e à situação que os dois se encontram. Você pode chamá-lo de egoísta ou exagerado, depressivos também esbarram nesse tipo de julgamento.

​   Como sair dessa fossa pessoal? Bem, cada um tem seu causo e tem seu caminho a trilhar. O Buzz é um brinquedo e ele precisou reconhecer sua importância como tal. Perceber seu valor em detrimento do outro foi a solução para identificar seu propósito. Não importa mais tudo que ele não fez, importava o que ele poderia fazer. Voltar para a casa do Andy com o Woody era sua missão mais importante, o Buzz passou por uma construção de novos ideais condizentes com quem ele é. Crises existenciais podem ser doloridas, mas podem ser o estímulo que precisamos para identificar nossos valores, causas pelas quais lutar e propósito que utilize nossas verdadeiras capacidades e nos dê satisfação genuína. Só assim podemos olhar para nós sem mascarar nossa identidade, traçando caminhos que nos levem ao infinito e além.

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